Adoro andar de bicicleta, a sensação é muito boa, seja num clima seco do deserto, num lugar úmido como uma serra ou numa praia. Por sorte, meu filho gosta também, e podemos andar juntos. Aos domingos em São Paulo há dezenas de quilômetros com ciclo vias e ciclo faixas e quando ocorre um alinhamento de planetas com a adolescência pedalamos lado a lado. Para aqueles que não conhecem é uma experiência bacana, esses caminhos passam ao lado de alguns dos maiores e mais bacanas parques da cidade.
Foram pintadas, ao longo da cidade, várias dessas pistas que têm validade permanente, outras valem apenas aos domingos. Quando essas pistas invadem as ruas os automóveis perdem uma faixa de rolamento e numa cidade como São Paulo isso virou um problema. Pessoas que não acham certo essa divisão reclamam, falam que não houveram estudos, pessoas que não gostam do partido do nosso alcaide esperneiam.
O caso foi parar na justiça pois se achava que não havia estudo nenhum sobre isso. A prefeitura venceu, havia um estudo chamado Boletim Técnico 50, do CET,
com um subtítulo que explica bem qual era o objetivo do trabalho "A história dos estudos de bicicletas na CET" compilado pela Maria Ermelina Brosch Malatesta do Departamento de Planejamento Cicloviário, da gestão passada, do Kassab.
É um documento com valor histórico, mostra os desenhos iniciais, os croquis das vias para as bicicletas, quais eram os pensamentos para se fazer aquele traçado, para a via sair de tal bairro o caminho melhor é por essa rua, há os primeiros desenhos, em papel antigo, estão lá neste documento, quem quiser ler está na internet, basta batucar algumas das palavras chaves e você terá o arquivo em pdf.
Pela lei, este documento cumpre a função de reunir os trabalhos, os estudos anteriores e provar que sim houveram estudos. Fui procurar os dados que interessam aos engenheiros, os números. Há apenas dois números que unem a engenharia e o meio ambiente. Neste estudo, está referido uma pesquisa em que 15% da população andaria de bicicleta.
Como dei aulas de Laboratório de Física, ensinei aos meninos que, quando se faz uma medida, a menos que ela seja relativa a números absolutos, do tipo quantas pessoas estão na sua sala agora? 2? 3? Caso contrário, haverá um desvio, uma imprecisão, quando há eleições você lê isso todos os dias nos jornais. Fulano está com 20% de intenção de voto, então ele está com um número entre 18 e 22, isto ocorre porque a pesquisa não entrevistou a população toda, não entrevistou todo mundo. Então há aquilo que (me desculpem os puristas) se chama de erro, de 2%. Voltando a pesquisa que aparece no Boletim 50, não aparece as condições em que ela foi feita. Para qual área da cidade foi? Para qual faixa etária? Nada, não há nenhuma dessas informações importantes, e não foi uma pesquisa feita a toda a população da cidade, então o aluno que me apresentasse esse dado, presente no relatório, não passaria de Lab Fis I.
O outro número que aparece no relatório 50 é que em 3 caminhos (vias, direções) há 15 mil ciclistas que utilizam as ruas da cidade, e só.
Este relatório, não trás uma informação de extrema importância que é qual a porcentagem da população irá utilizar efetivamente esses caminhos para bicicletas? Por exemplo: 2% da população até 2016, ou qualquer coisa assim, que indique a população irá usar bikes para ir ao trabalho ou à escola. Nada.
Esses caminhos foram traçados em planos que não levavam em conta qual a parcela da população que se utilizará dessas vias, essas mesmas vias que diminuem os espaços para os carros e fazem o tempo de viagem entre um ponto e outro seja maior e assim se emitir mais gás carbônico (CO2) do que quando não havia esses trajetos! (é isso mesmo irmã, você tinha razão desde o começo!)
O que pode acontecer se o próximo prefeito da cidade quiser acabar com as ciclofaixas(ciclovias)? Nada, não haverá um argumento relativo ao meio ambiente que alguém possa levantar para defender esses trajetos. Haverá, claro, muito papo furado, a natureza, o meio ambiente, as flores, mas nem um número.
Há um exército de pessoas lotado na prefeitura que poderia (e deveria) fazer um estudo do quanto não será emitido de CO2 devido ao uso pela população das magrelas, quantas toneladas não serão lançadas ao já poluído ar da metrópole. Nós merecemos ter um trabalho de verdade, sério, científico, até porque, se o trajeto proposto não é o certo, este deve ser alterado. Porque não há nenhum número, nem um único, que qualquer pessoa possa defender hoje esses caminhos, e isso é uma pena.
Podemos estar jogando fora a chance de mudarmos a forma como a cidade se desenvolverá daqui pra frente, porque pessoas que recebem para isso não querem sentar a frente do computador e montar uma planilha excel.
Mortes e Mutilações
Um camarada chamado João Saldanha foi técnico da seleção brasileira de futebol em 1970. Numa entrevista ele foi perguntado qual a razão de não se convocar jogadores que não pulavam o muro da concentração para irem a boates, passando a noite fora e chegando cansados para o treino do dia seguinte. Ele respondeu que só poderia convocar os jogadores que estavam aqui na Terra, ele não poderia convocar os de Marte ou da Lua.
No Brasil se mata no trânsito mais do que essas guerras ao redor do mundo todas somadas (tirando apenas Síria e acho que o Congo), 40.000 pessoas desde 2010, todos os anos. As pessoas morrem por aqui pelas mais variadas e estúpidas razões: bebedeira, ultrapassagem perigosa, excesso de peso em caminhões, não seguir as regras de trânsito.
Assim, agora que há mais bicicletas rodando na cidade infelizmente, não podemos trazer motoristas, pedestres e bikers da lua, temos que nos virar com aqueles que moram por aqui.
Para quem quiser começar nesse mundo acho que o grupo mais famoso é o nightbikers http://nightbikers.com, da Renata Falzoni,para você que está em Sao Paulo e quer uma magrela emprestada http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/veja-como-funciona-o-novo-sistema-de-emprestimo-de-bikes-em-sp.html
, e em Nova York tem o grupo https://www.bikethebigapple.com
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