quarta-feira, 11 de março de 2015

Eppur si muove, Galileo e os decretos do nosso governo

Chamado para se explicar perante um italiano muito poderoso de nome Maffeo Barberini, conhecido como papa Urbano VIII, Galileo Galilei fez o que precisava, e negou tudo. O Santo Oficio não brincava em serviço lá pelos idos de 1630, torturava, queimava e ainda tomava os bens dos hereges. Galileo (assim com o mesmo ao final) havia escrito um livro sobre os astros do céu, sobre as manchas solares, sobre os movimentos dos planetas, das luas mas principalmente colocando o sol no centro do nosso sistema planetário e relegando a Terra a um terceiro lugar depois de Mercúrio e Venus. Um horror. O sol era o centro e os planetas giravam ao seu redor, era Galileo tentando emplacar a teoria do heliocentrismo na lista dos mais vendidos com o livro Sidereus Nuncius (algo como Mensageiro Sideral, ou das Estrelas, ou ainda Mensagem das Estrelas). Num dos momentos mais vergonhosos da história, ao sair do julgamento, onde havia afirmado que era a Terra que estava fixa, e era o centro do nosso sistema solar e não o sol (o geocentrismo) o carcamano murmurou um Eppur si muove (mas ela se move) referindo-se ao nosso belo planeta azul, querendo dizer que sob o garrote ele mentira, mas agora (quase) livre soltava a verdade.  
Sir Isaac Newton, quando perguntado como tinha conseguido fazer tantos trabalhos científicos e tantas descobertas não economizou nos elogios e na exaltação, disse que se ele enxergava longe era porque estava apoiado em ombros de gigantes, Galileo era um deles.

Na outra semana uma greve de caminhoneiros parou o país, algumas cidades ficaram sem combustíveis, algumas escolas ficaram sem aulas. Sem entrar no mérito do movimento, um dos pedidos que foi aceito, foi o perdão das multas dos últimos dois anos para os caminhoneiros flagrados e multados por transportarem excesso de peso nos caminhões(cerca de 200.000 multas, duzentas mil). Isso foi um crime.

Quando ainda assistia corridas de fórmula 1, havia uma cena que passava na televisão que era bem bacana, o carro vinha a uns 200 km/h e para fazer a curva sem sair pela tangente, o piloto pisava no freio o que se via no interior das rodas era uma luz vermelha acendendo. O que acontecia era que o sistema de freio do carro recebia uma quantidade de energia referente a freada do carro. Aquela velocidade toda que o carro tinha (associada a massa é chamada energia cinética) quando se diminui precisa ir para algum lugar, e esse lugar é o sistema de freios que recebia a energia e aumentava de temperatura devido a isso. Aquela luz que se via no interior das rodas era a representação visual da passagem de um tipo de energia (cinética) para um outro tipo (potencial). E nem era uma lâmpada,  mas sim as fibras de carbono  sendo aquecidas e ficando incandescentes. 

Hoje em dia, com a potência dos motores dos carros e aqueles que estão nos caminhões aumentada, fazer um carro ou um caminhão se locomover com mais carga do que a o manual permite é possível (não dá para levar um avião ali atrás !!). O sistema de amortecimento sofre. No caso de caminhões sofrem também o asfalto e as estruturas das pontes. Mas, principalmente o sistema de freios que não foi projetado para receber a energia relativa a aquela velocidade com uma carga mais. Não queria colocar as fórmulas aqui, mas acho que ganha a didática. A fórmula da energia cinética depende da velocidade e da massa, da seguinte maneira Ec = m(v2)/2. Quanto maior a massa maior a energia cinética. Quanto maior a velocidade a energia cinética cresce ao quadrado. Um carro quando vai frear passa a energia (cinética) para o sistema de freio. O sistema de freios foi projetado para receber um tanto de energia que depende da velocidade máxima que se estima que um caminhão trafegue e… da carga máxima do caminhão. Quando essa massa excede o estipulado (o valor indicado no manual pelo fabricante) o sistema de freios não consegue receber toda a energia cinética. E essa energia que ele não recebeu vai para onde? Não vai, o caminhão não para, ele continua em movimento, continua andando.

Desde 2009 o número de mortes no trânsito no Brasil é sempre maior do que 40.000, são mais de 40.000 mortes por ano, todos os anos. Claro, que nem todos os acidentes de trânsito  são causados por caminhões. Mas uma lei, como a que foi sancionada, que perdoa esse tipo de atitude passa uma mensagem errada e deturpada para a população e, para os caminhoneiros. Colocar carga a mais no caminhão sobrecarrega o sistema de freios e o caminhão pode (e na maioria das vezes) não parar e claro mata.

Na sala onde foi assinado o decreto, deveria estar presente alguém minimamente instruído, que deve ter falado que era errado e foi sumariamente julgado e mandado para fora do recinto, e nesta hora, da mesma maneira que Galileo deve ter falado entre dentes Eppur se muove.